A melhor forma de concluir este artigo é narrar como transcorreu o processo legislativo de aprovação da Lei Áurea, apresentado por Evaristo de Moraes (MORAES, 1966, p.259-282).
Na 3ª sessão, da 20ª legislatura, em 3 de maio de 1888, a Regente D. Isabel de Orléans e Bragança, na sua fala do trono, trouxe para o núcleo do debate no Parlamento brasileiro a questão da abolição, que naquele momento representava uma “aspiração aclamada por todas as classes.”
A ida da Princesa Regente até o parlamento foi cercada de festa popular. Dias depois, em 7 de maio de 1888, o ministério João Alfredo foi apresentado ao Senado. As resistências escravagistas já não se sentiam tanto e, no dia 08 de maio, em nome da Regente imperial, foi apresentada na Câmara, pelo deputado Rodrigo Silva (art. 53 da Constituição imperial) a seguinte proposta legislativa: “Art. 1º – É declarada extinta a escravidão no Brasil. Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário.”
Este projeto passou a ser o foco de debates de todo o Parlamento e, ao contrário do que ocorre hoje, o Parlamento brasileiro se encontrava em uma das mais pulsantes e vibrantes cidades brasileiras, o Rio de Janeiro, a Côrte, e a massa urbana, agitada pela imprensa, participava das sessões e, do lado de fora do prédio, com as notícias do que ocorria no recinto, regia ruidosamente, aplaudindo ou vaiando, já que alguns deputados se pronunciaram contra o projeto, inclusive postulando indenizações pela desapropriação.
Pela interferência de Joaquim Nabuco, os trabalhos foram acelerados, com a criação de comissão para apreciação do projeto.
O deputado baiano Araújo Góes apresentou importante emenda ao projeto de lei, acrescentando ao seu art. 1º a expressão “desde a data da lei”. Justifica-se este acréscimo pelo fato de que, se assim não estivesse previsto, em face da vigência não-sincrônica, tal lei vigoraria na Capital do império 08 dias após a sua publicação e nas demais províncias, somente, 03 meses depois, nos termos do Aviso do Ministro da Justiça nº. 400, de 31 de outubro de 1973 (interpretando as Ordenações, Livro I, Título II, § 10º).
Tal emenda foi aprovada, permitindo que os dispositivos deste projeto de lei viessem a ter vigência sincrônica (e imediata) em todo território nacional.
Após votação nominal, realizada após requerimento formulado em 10 de maio, o projeto foi aprovado, na Câmara, pelo placar de 85 votos conta 09.
O projeto entrou no Senado no dia 11 de maio (art. 55 da Constituição imperial), tendo sido constituída comissão especial, a qual proferiu parecer favorável rapidamente, com dispensa de impressão. O projeto entrou na ordem do dia 12 de maio de 1888.
Nos debates que se seguiram, merece destaque a fala do Barão de Cotegipe, que trazia argumentos que refutavam a tese da abolição sem indenização:
Enfim, decreta-se que, neste país, não há propriedade, que tudo pode ser destruído por meio de uma lei sem atenção nem a direitos adquiridos, nem a inconvenientes futuros!
A verdade é que vai haver uma perturbação enorme no país durante muitos anos, o que não verei, talvez, mas aqueles a quem Deus conceder mais vida, ou que forem mais moços presenciarão. Se me engano, lavrem na minha sepultura este epitáfio: “O chamado no século Barão de Cotegipe, João Maurício Wanderley, era um visionário” (MORAES, 1966, p.277).
Tais argumentos não surtiram efeito, pois neste dia 12 de maio o projeto foi aprovado na comissão, dispensado o interstício para entrada na ordem do dia. No domingo, 13 de maio, foi convocada sessão extraordinária, com envio de aviso à Princesa Regente que, quando da sua aprovação, no mesmo dia, seria lhe enviada a lei para sanção.
Neste domingo dia 13 de maio de 1888, ainda soaram no senado manifestações anunciando catástrofes e eventos sinistros se tal diploma legal fosse aprovado.
O Senador Souza Dantas retrucou:
Chegamos ao termo da viagem empreendida, e mais felizes do que Moisés, não só vemos, como pisamos a terá Prometida. Sendo assim, nada de recriminações, nada de retaliações. […]. A abolição não marcará para o Brasil, uma época de miséria, de sofrimento, de penúria! […]. Mais vale cingir uma coroa por algumas horas, por alguns dias, contanto que se tenha a imensa fortuna de presidir a existência de um povo e de com ele colaborar para uma lei como esta, que vai tirar da escravidão tantas criaturas humanas, do que possuir essa mesma coroa por longos e dilatados anos, com a condição de conservar e sustentar a maldita instituição do cativeiro. […]. Ó libertad/ Luz del dia/ Tu me guia (MORAES, 1966, p.280-281)!
As galerias do Senado aplaudiram o senador Dantas. Encerrada a discussão, o projeto foi aprovado e, por nomeação do presidente desta Casa legislativa, o Senador Cruz Machado, foi composta comissão para apresentar à Princesa regente os autógrafos do decreto (art. 62 da Constituição imperial). A Regente imperial os receberia às 3 horas da tarde;
As ruas estavam em festa. O Paço foi invadido por pessoas de todas as classes sociais
Os membros da comissão quando encontraram a Princesa notaram que ela tinha um semblante entristecido, tendo em vista que soube que o seu pai D.Pedro II adoecera durante a estada na Europa, e falou: “Seria o dia de hoje um dos mais belos da minha vida, se não fosse saber estar meu pai enfermo. Deus permitirá que ele nos volte, para tornar-se, como sempre, tão útil à nossa pátria.”. (MORAES, 1966, p.282).
O decreto fora caligrafado pelo artista Leopoldo Heck, bem cotado no Rio de Janeiro e em Petrópolis. O povo ofereceu à Regente imperial, para assinatura da sanção, uma caneta de ouro ricamente adornada com pedras preciosas, que foi aceita por ela, sob ruidosas e efusivas manifestações de contentamento da multidão.
Assinado o decreto, manifestações de alegria e muitas lágrimas irromperam, entre os presentes, sobretudo entre José do Patrocínio que chegou a tentar beijar os pés da Regente imperial.
De uma sacada, o deputado Joaquim Nabuco comunicou ao povo que não existia mais escravidão no Brasil. Do ordenamento jurídico brasileiro, foi extirpado este odioso instituto.