contado pela jornalistas Rose-Marie Galvão. Segue.
O caso Ferreirinha foi um divisor de águas. Talvez aquele momento em que o filho corta seu cordão umbilical com a mãe. Aos 82 anos, Ferreirinha era um próspero agricultor itabunense que se “casa” com uma menina de 12 anos a quem ele oferecia bonecas e lanches caros.
Como agravante, a mãe da menina era empregada doméstica da casa do agricultor, numa relação de licenciosa submissão. No final de uma sexta-feira, durante o fechamento da edição semanal, Manuel Leal me mostra uma fotografia do tal ‘casamento’, numa igreja evangélica.
Ativista da emancipação feminina que sou, e na ocasião atuando em uma ONG de defesa da criança e do adolescente, na semana seguinte levei o assunto ao promotor público Paulo Brandão, que me concedeu uma entrevista esclarecedora.
A matéria foi parar nas páginas de quase todos os jornais e revistas do Brasil e até na edição da Veja, onde eu também fiz alguns free-lancers, bem como no tribunal de justiça de Itabuna.
A pauta fugiu do folclore que se pensou a princípio: a velha história do machão garanhão, “que dá nos couros em qualquer idade”, bem ao gosto da sociedade patriarcal dos antigos coronéis do cacau, que agora esbarra na porteira de uma lei civilizatória, chamada Estatuto da Criança e do Adolescente.
Internacional
Com esta reportagem, além de altos cachês até em iens e dólar, devido à publicação da notícia em revistas do Japão e dos Estados Unidos, conquistei minha emancipação como jornalista. Toda essa experiência me ajudou a ter mais segurança na apuração dos fatos e no trato com as fontes.
E tudo isso graças a uma oportunidade que me foi oferecida por Manuel Leal e Hélio Pólvora, que me impulsionavam apoiando-me e não oferecendo censura ao meu texto. Jamais impuseram amarras nem mordaças ao meu trabalho. Com eles eu aprendi a voar.
Por tudo isso, minha eterna gratidão. Também agradeço a Marcel Leal, Rosi Barreto e tantos outros. Estou feliz pelos 30 anos do Jornal A Região porque sou um pouco parte desse time. Melhor que tudo, vocês e seus leitores me toleram [risos].
Uma paixão
Jornalismo é uma das profissões mais apaixonantes, especialmente para quem escreve com dedicação. Só que, como toda paixão, tem seus riscos. E neste ofício é preciso ter coragem para encarar, dias sim dias não, os leões ferozes e covardes, capazes de matar quando a notícia não os agrada.
Manuel Leal, o jornal A Região, nossos leitores e Itabuna toda sabem muito bem o que é isso. Sabem muito bem o preço que se paga quando porventura ousamos afrontar os interesses de algumas dessas figuras públicas. E sabem também o preço que se paga para manter um sonho.
Essas lembranças provocam uma nostalgia, um sentimento de indignação com as injustiças, com as palavras silenciadas, mas também um imenso prazer de saber que esse cheiro de tinta sobre essas páginas pálidas ainda exerce um imenso fascínio sobre todos nós.
É um cheiro que vai além do cheiro de jaca, na minha infância, no bairro da Conceição, onde se chega atravessando o nosso velho Cachoeira, cansado de guerra. É um cheiro de êxtase que se renova a cada manhã nas bancas de jornal.
Do nosso jornal A Região. Muito obrigada. Esses 30 anos têm um pouco dos sonhos de todos nós.